Friday, March 04, 2011

cajuína

pelo guarda-chuva, a reconheço. preto, imóvel, apoiado ao chão e aos quadris cobertos com o vestido no mesmo tom escuro, botões do pescoço às canelas. no primeiro dia espera-se pela súbita mudança de humor que o levaria da calçada ao ombro negro, aberto, girando em frenesi à moda dos contentes. mas, ainda que chova, permanecem ele e a velha em transe, absolutamente pasmados e quase tristes, um suportando o peso do outro. há também a bagagem composta de duas malas surradas e uma sacola plástica. vazias, ao que parece. no canteiro central da avenida paulista, a velha aguarda a salvação. alheia em meio aos pacotes de bala nos retrovisores e performáticos encenando loucuras com ralhos ao léu, outros tantos nus despejam cólera contra o poste onde um se abraça e esquece de existir. enquanto ela, a velha, vigia. tem prazo, a insônia. encerra-se na data escrita a lápis no caderno de espiral fantástico, sem linhas, guardado na mala – também preta – vazia. quando a velha, de guarda-chuva aberto, sobe na barca que mal toca o asfalto, e de olhos fechados por fim retorna ao tempo no qual cismou de guardar seu gozo.

3 comments:

Anonymous said...

Marcella Franco = aprendiz de James Joyce.
Para mim, ela continua sendo um mistério.

Camila Fontenele said...

Tua escrita é linda.

eme ponto said...

Obrigada pela visita, Camila! :)