Tuesday, January 06, 2009

macarrão fresco

- tá ouvindo?
- tô
ela não estava ouvindo, que eu sei. até porque, com o violão desafinado daquele jeito, não dava pra escutar nada, nem que ela quisesse. como ainda não tinha percebido? jesus, olha esse dó sustenido. acontece que eu precisava contar, mesmo sabendo que seria uma amostra do meu mais grotesco egoísmo, e ela ia ter que ouvir acima de toda a distorção. é certo que eu pensava quase zero nela e uns noventa e quatro por cento em mim mesma, mas.
- paulinha, coração, dá um tempo, a gente precisa conversar
- fala, beta, tô ouvindo, já falei
- você reparou que esse violão tá fora do tom, né?
- eu sei, a madeira do braço escangalhou com a umidade do banheiro, gosto de tocar enquanto o guilherme se barbeia, pra fazer companhia. tô pra mandar pro conserto mas fico enrolando
- hum
- era isso que você queria dizer? do violão?
- também, mas tem um negócio mais importante
- sei. que é?
- olha só
guilherme girou a chave na fechadura e apareceu com várias sacolinhas plásticas de mercado fazendo vergões roxos nos pulsos e nos dedos, um peso imenso e mal distribuído. a paula vivia enchendo o saco dele dizendo que o certo é levar aquelas bolsas reaproveitáveis, pra não entupir o meio ambiente com lixo desnecessário e todo aquele papo de você sabe quanto tempo um plastiquinho desses leva pra se decompôr. acho que ele não ligava. trouxe tomates, manjericão, queijo branco, espaguete, suco e mais alguns tipos de pão.
- coloca na geladeira, amore, tô indo aí te ajudar. beta, amiga, conversamos depois?
é sempre assim. eu quero contar pra paula que não agüento mais esses almoços de sábado que ela e o guilherme oferecem, que não suporto mais esse apartamento e esse povo chato que ela convida, que o sabonete líqüido do lavabo fede e que só venho mesmo porque adoro paquerar namorado de amiga.
ela nunca me escuta.

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