Monday, September 10, 2007

nelson wannabe

na casa de lucília, os seis gatos têm permissão para circular livremente por onde bem entenderem seus bigodes. um mais rechonchudo que o outro, como bonequinhas russas em forma felina, o último cabendo dentro do primeiro, quase, tamanha simetria. dirceu odeia os gatos de lucília. se incomoda com os pêlos que flutuam no ar o tempo todo, o modo como destróem os estofados, a ausência de qualquer dependência ou ligação emocional. cachorros são melhores, manifestou-se o implicante no almoço de domingo. lucília, apaixonada, sorria iludida, vendo na chatice do marido uma tolerável e até lisonjeira falta de conhecimento limitante, e quiçá recuperável. um rapaz a exemplo de seu marido, culto e bem criado, não se encontra em qualquer esquina. ainda mais filho daquela mãe, a viúva dorotéia. mulher como ela não se vê por aí, alguém comentou na praça. em resumo, queria ela, lucília, tornar-se a outra. a força, a independência, a vivacidade, tudo fazia desejar engoli-la, se fosse essa a maneira de abocanhar aquelas qualidades. que santa! que exemplo! o chamego com a sogra, no entanto, seguiu apenas até que dirceu, agora o insensível, fizesse a primeira maldade com um dos bichanos. foi o estopim para as idéias vis da esposa. lucília virou, ela própria, a fera. e pôs-se, assim, a detestar dirceu. tudo nele lhe causava asco - as observações ocas, o tique de estufar a barriga passados oito minutos exatos, o barulho ao mastigar. tornara-se insuportável a convivência. os trâmites da separação seguiam mansos, redigia-se à máquina o documento definitivo, e foi quando a mulher, aos prantos, deu-se conta da arapuca que havia, sem intenção, armado para si mesma. descartaria, sim, o traste, mas perderia por conseqüência dorotéia. oras, que deslize não pensar nisso antes, chiou entre dentes enquanto dava tapinhas de leve nas bochechas frias. no cartório onde foi apanhar o divórcio, não agüentou a previsão funesta de seu destino de todo solitário e desmaiou entre uns passantes, apoiando-se, que ironia, na fila dos noivos. foram três minutos até que voltasse a si e, com as mãos do ex-marido a lhe suspender, implorou sôfrega:
- agora, sim, meu filho, avisa tua mãe que espero por ela.

Sunday, September 09, 2007

a fêmea, o bicho, a flor

devoção, caros irmãos, devoção é a palavra. parem de culpar inocentes, apontar seus indicadores em direções equivocadas e embaçadas pelas trevas. olhem por suas janelas, louvem os quadris que balançam, as mãos finas que lavam sua louça, os seios firmes onde os senhores choram o futebol derrotado e as humilhações do cotidiano. o que está faltando mesmo em toda e qualquer freguesia é isso, conclua-se o diagnóstico. salvem-se, pois, irmãos. pratiquem, pratiquem, pratiquem, pois só a devoção à vossa esposa pavimenta o caminho para o céu.
amém.