Thursday, December 22, 2005

outdoor

someday there'll be a cure for pain
that's the day I throw my drugs away
when they find a cure for pain

é uma dor física, que sobe do esôfago até a base da língua, amarga ausência de todas as referências. cada um exposto à sua maneira, você sobrancelhas sorrindo evoca um passado ainda corrente, eu espectadora de quem um dia significou tudo e agora, displiscente, renasce para um percurso sem linha de partida. sinto: quebrada ao meio. descomposta, desconstruída, despida de nós dois. você: buraco, eco, saudades. muitas.

Tuesday, December 13, 2005

carta de amor

sobrevoei a cidade e cacei casas na paisagem miniatura, encontrando telhados conhecidos e familiares para sentir que, mesmo de cima, pode-se, sim, acreditar no sonho do lugar perfeito e seguro. casa no campo, e eu mirando brechas e clareiras naquela quantidade obscena de montanhas desconhecidas e indevassadas, riachos nascendo não se sabe de onde, lagos obstruindo de maneira inteligente rotas e caminhos (até então) possíveis e desbraváveis. mas havia um, note bem, um apenas, um lugar daqueles com os quais você sonha e brinca de fazer música, bancarrota blues com nossos discos e livros, e nós dois, eu-você, desenhando sinapses cor-de-rosa para arquitetar o canto onde toda a obrigação do mundo fosse ser - e fazer - feliz. um, um lugar. com uma pequena estrada de terra que vira lama quando chove e nós não nos zangamos ou franzimos testa punho cenho, todo o trabalho vira calçar galochas e rir um do outro você parece um palhaço com esses pés plásticos e nada nunca caiu tão bem nos teus dedões de bailarina. às vezes acontece de ter que empurrar o carro, ou esquecer da vida e do jipe lá embaixo quem é que precisa de um motor no meio desse mato, no meio do silêncio cigarras agudas guinchando em mi menor. eu, não. eu preciso de você. das nossas janelas de madeira e cachorros plantando patas de terra na parede branca isso não tem a menor importância acho graça até. é dividir o tempo entre assistir você criar numa sala só sua de acústica violenta a cada acorde teu voz piano violão guitarra respiração dói a boca do estômago de quem escuta, e vez em quando eu produzir romances e romances e romances enchendo a varanda com a conversa das teclas olivetti 82. nossas referências todas numa larga estante de carvalho pendendo de uma parede fresca grudada à cozinha de onde saem aromas de tangerina manjericão, som de pratos colheres e amigos. olha, tem um cobertor em frente à lareira e copos cheios de vida. no eco silencioso de quando se apagam as luzes para irmos dormir tudo que se escuta são as nossas risadas. no escuro, a gente engolindo alegria. agora eu vivia o que sempre sonhei. agora eu era o que sempre fui.

Thursday, December 01, 2005

excentricidades III

- sabe como você faz para ver a direção do vento daqui de cima?
- olhando o movimento da água?
- também, mas o melhor é sacar as vacas.
- ãh?
- é, sacar as vacas. elas sempre pastam com a bunda virada pro vento.
- ...

Friday, November 18, 2005

excentricidades II

conta o povo que foi a belém que lá na região há um prato típico chamado tucupi. ok, eu já tinha ouvido falar, você já deve ter ouvido falar, minha mãe e sua vizinha idem, mas a questão é que a iguaria guarda detalhes escusos por trás desse nome. trata-se de um molho de cor amarelada, extraído da raiz da mandioca brava que, depois de descascada, ralada e espremida, oferece um líquido, que deve descansar ao longo de uma semana. a questão é que a parada é, inicialmente, venenosa. isso mesmo, o molhinho é do mal. tamanha letalidade se deve à presença, em sua composição, de um ácido chamado cianídrico, e é só através do cozimento do líquido que se elimina o tal veneno (sendo possível, então, usá-lo - o líquido, e não o veneno, óbvio - como ingrediente nas receitas). ontem, entre o chope e o bolinho de bacalhau, o café e a banana frita, começamos a especular: será que quando os donos de restaurantes de lá querem eliminar seus desafetos eles deixam o tucupi cozinhando por apenas quatro dias? e, medo, será que é seguro comer esse negócio em qualquer biboca de belém, correndo o risco de morrer em decorrência da preguiça de um cozinheiro imprudente? e os microondas paraenses, será que eles vêm de fábrica com, além dos clássicos "modo pipoca", "modo 1 minuto" etc, uma tecla onde se lê "modo tucupi"? tipo, você põe a mandioca dentro do forno e ela fica lá rodando por uma semana?

Tuesday, November 08, 2005

linda blair

novamente possuída pela entidade exu-tranca-texto. merda.

Monday, November 07, 2005

and here we go

vale dizer que hoje o mar de copacabana está do jeito que eu gosto: tipo lago. paulista sem timming pras ondas da guanabara, é bem comum aos habitantes dessa cidade maravilhosa olhar pro atlântico e me ver lá, canequinha na mão, tentando sem sucesso não levar caixotes na beira d'água. mas, com as condições oceanográficas atuais, acho que eu bem que mergulharia nessa segunda-feira. ou não.
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primeiro dia de trabalho no emprego novo. ai.

Friday, September 30, 2005

eu quero ir, minha gente


se eu tivesse que ficar aprisionada eternamente num só dia, escolheria esse. quando houve um sol lindo e quente, e parecia que o mundo todo, além daquela dupla que dançava de rosto colado em santa teresa, havia congelado e se tornado inofensivo.

Thursday, September 01, 2005

ou vai ou

se quiser me acertar, a hora é essa, eu não vou revidar

Tuesday, July 19, 2005

homeopatia

tempo escasso
sem férias
cabeça transborda
de idéias

Tuesday, March 08, 2005

perfume de mulher

dama-da-noite
a gávea inteira
perfumada

Friday, February 18, 2005

o bem do mar

numa caixa de papelão capenga guardo, há anos, coisas que considero registros das pessoas que já passaram pela minha vida. em diferentes graus de afetividade, estão lá, entre outras bugigangas (nada pejorativo nessa palavra... alô, tati polacow!): cartas que eu trocava com uma amiga do interior quando tinha 14 anos; bilhetinhos de ex-namorados; um texto que mandei para a revista cláudia, há 12 anos, para concorrer a uma viagem pra disney; uma fitinha de são judas tadeu esgarçada e arrebentada; um autógrafo da atriz denise fraga, escrito num cartão quando a moça foi às compras na papelaria onde minha mãe trabalhava; uma fita cassete daquelas bem antigas, com etiqueta marrom e vermelha, onde se lê "marcella e luiz - 1984". no melhor clima "saudade das minhas lembranças" (alô, nervoso!), vez em quando coloco no aparelho de som o registro de uma noite que passei, só eu e meu pai, gravando tudo que acontecia na vida de uma (semi)pessoa de quatro anos. barulho da sopa caindo da colher para o prato, trechos do "viva o gordo", minha primeira (e singular) composição musical (com vocal e tudo) e, o melhor de tudo, uma entrevista que o eterno repórter fez comigo, na única vez em toda a minha carreira em que já estive do outro lado do gravador (na época, um daqueles panasonic gigantes, com uma alça tosca que fazia cléc, e do tamanho médio de uma edição do "ulisses"). na pauta, quais seriam meus planos para as férias que se aproximavam.
- o que você está pensando em fazer quando acabarem as aulas?
- ah, tô pensando assim num mar, numa piscina, qualquer coisa que tenha lugar pra eu nadar. porque faz tempo que eu não nado...
como alguém de quatro anos pode usar a expressão "faz tempo" para definir alguma coisa na sua parca existência? porque fazia, no máximo, quatro anos que eu não nadava, correto? no fim das contas, falei pro jornalista que tinha batido o martelo, e decidido ir passar aqueles dias na casa da minha avó, a popular "casa da praia". eu amava o mar. entrava de cabeça e bóia do popeye em todas as ondas que apareciam. um belo dia cresci, fiquei babaca e passei a temer aquela imensidão de água, reduzindo minha interação com as águas a mergulhos bestas só para refrescar o cucuruto nos dias de sol. mas nunca, nunca mesmo, deixei de achar o oceano uma das coisas mais lindas do mundo, olhando de longe a beleza que é você conseguir ver a linha do horizonte morando numa cidade grande. quando me mudei para o rio, e trabalhava no jornal do brasil, saía da urca e fazia o caminho do aterro, só porque achava mais bonito. até hoje ainda escolho a niemeyer (alô, rô!) ao invés do túnel. de certa maneira, o mar nunca deixou de fazer parte da minha vida. só mudou de figura. assim como todas aquelas pessoas da caixa de papelão que, mesmo que não sejam mais protagonistas, ainda as vejo de longe, achando tudo muito lindo e sentindo uma baita d’uma falta.